Educação ou endoutrinação para a cidadania?

Por Francisco Mendes Correia para o Nascer do Sol

A Educação para a Cidadania é atualmente uma componente obrigatória dos currículos dos vários níveis de ensino português, do pré-escolar ao secundário, sendo trabalhada, de forma transversal, nas várias disciplinas.
Muito embora o Estado não esteja limitado ao domínio das ciências exatas, na programação do ensino público, deve adotar redobrados cuidados nas disciplinas onde se apresentem e ensinem ideias opináveis, sobretudo nas matérias que não formem parte do núcleo de princípios estruturantes da vida em sociedade, fundamentais para a prossecução do bem comum.

Estes cuidados decorrem de uma imposição constitucional, já que o Estado «não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas» (artigo 43.º/2 da CRP). E são inteiramente compreensíveis: como o ensino ocorre numa fase de amadurecimento intelectual e emocional, a apresentação de uma tese opinável como se fosse a única, como um facto indesmentível, ou como a única opinião de um cidadão civilizado pode tornar-se uma imposição filosófica ou ideológica.

Seria inadmissível, por exemplo, que o Estado determinasse que as teses filosóficas de Kant fossem ensinadas como as únicas aceitáveis, sem confronto com outras ideias, ou que ensinasse que o impressionismo tinha superado todas as outras correntes estéticas, como cânone artístico No domínio filosófico, a gravidade da imposição seria mais intensa, porque pode opor-se à forma como os pais – os principais educadores dos filhos, a quem o Estado assiste de forma meramente subsidiária! – respondem às últimas questões: de onde vimos? O que somos? Para onde vamos?

É precisamente este tipo de imposição que atualmente ocorre em Portugal. Em especial, num dos conteúdos obrigatórios da Educação para a Cidadania, a igualdade de género, já se abandonaram há muito as ideias estruturantes – a igual dignidade de mulheres e homens, o justo combate à discriminação com base na orientação sexual –, para se apresentarem, como únicas ou indesmentíveis, certas teses sobre a natureza humana, sobre a relação entre o homem e o seu corpo, ou sobre as relações interpessoais. 

Quem leia os Documentos de Referência aprovados para a Educação para a Cidadania – e os professores dos vários ciclos de ensino têm o dever de o fazer! – apenas tem acesso a uma certa forma de pensar a natureza humana, e sobre as relações entre o sexo (a dimensão biológica da diferenciação sexual) e o género (a dimensão cultural, social e história da identidade feminina ou masculina), habitualmente descrita como ideologia de género. 

Segundo as únicas teses disponíveis nestes documentos, género e sexo devem estar totalmente desvinculados, e a dimensão biológica do ser humano não deve ter qualquer relevância para os seus comportamentos familiares, sexuais, sociais ou culturais. Consequentemente, segundo as (reforce-se, únicas!) ideias transmitidas, o género não deve ser uma categoria binária, mas antes fluida, cabendo a cada um a construção irrestrita da sua identidade sexual. O Homem não seria constituído por corpo (sexuado) e espírito, mas antes mero habitante, ou dono do seu corpo, que no limite caberia modificar, para se adaptar à identidade sexual escolhida e construída. 

O enquadramento teórico dos Documentos de Referência é feito com recurso exclusivo a filósofos, sociólogos e pensadores filiados na ideologia de género, numa opção que é confessada. 

Os Documentos partem do pressuposto que o género é uma construção meramente social, e por isso assumem como propósito educativo o de «desconstruir toda a lógica determinista usada para a prescrição a homens e mulheres atributos, competências e interesses decorrentes da diferenciação biológica» (Guião de Educação – Género e Cidadania – Pré-Escolar, 14). 

E vão mais longe, enquadrando a identidade de género como uma característica exclusivamente baseada nas emoções e nos sentimentos de cada um, descrevendo-a como a «experiência interna e individual sentida por cada pessoa relativamente ao género com que se identifica, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído à nascença». Mais grave, assumem com normalidade o cenário que a identificação de género envolva «a modificação da aparência ou do corpo por meios cirúrgicos, farmacológicos ou de outra natureza e outras expressões de género, incluindo o comportamento, o vestuário, a expressão verbal e corporal.» (https://cidadania.dge.mec.pt/sexualidade/id entidade-e-genero).

Estas são ideias sobre a natureza humana, sobre a relação entre o homem e o seu corpo e sobre a dimensão moral dos atos interpessoais, nomeadamente dos comportamentos sexuais. Não podem ser apresentadas como as únicas, como factos ou como aquelas que são adotadas por pessoas civilizadas. 

No entanto, é isso que acontece, atualmente, na Educação para a Cidadania. Estão totalmente ausentes quaisquer referências a outras formas de pensar a natureza humana, que afirmem a realidade da diferenciação sexual, o caráter binário dessa diferenciação e que, sublinhando a igual dignidade entre homens e mulheres, valorizem as diferenças de comportamentos sexuais, sociais e culturais decorrentes da complementaridade entre homens e mulheres, como a paternidade e a maternidade.

O confronto entre estas diferentes formas de pensar a natureza humana pode e deve ser feito nas universidades, no espaço público, em debates leais, onde se possam conhecer e avaliar criticamente ideias novas e antigas. Não deve ser substituído pela imposição de uma determinada ideologia, num contexto de aprendizagem, em idades precoces, contra aquela que ainda será a mundividência partilhada pela maioria dos portugueses.

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