Arte e Liberdade de Viver

Publicado originalmente em oursundayvisitor.com

Peter J. Colosi 18 de novembro de 2022

Se perguntarmos aos nossos contemporâneos como esperam morrer, muitos dirão, “durante o sono, sem dor e subitamente, sem dar por isso”. No entanto, há uma oração, há muito esquecida, que os católicos rezavam regularmente: “Senhor, livrai-me de uma morte súbita!”. Quando se falava da morte os Católicos tinham como hábito pedir a Deus exatamente o oposto do que a maioria das pessoas hoje desejam. Porquê? O que aconteceu?

Para começar, creio que podemos dizer com segurança que a maioria de nós, católicos, perdemos o sentido de uma abordagem católica à morte e ao morrer. Essa abordagem revela que viver adequadamente o momento da morte é um dos principais atos da vida e que vale a pena prepararmo-nos antecipadamente para isso. À medida que nos preparamos para entrar na eternidade e encontrar Deus, há um potencial para aprofundar em oração a totalidade da experiência dos sacramentos, assim como para aprofundar, curar e reconciliarmo-nos no âmbito das relações humanas.

No mundo em geral, não há apenas uma perda do significado da morte, mas uma cultura avessa à morte na qual escondemos os doentes e moribundos e, simultaneamente, promulgamos uma infinidade de leis que permitem o suicídio assistido por médicos e a eutanásia. Afastamo-nos da morte natural cercados pela família e amigos e acompanhados pelos sacramentos e, em vez disso, voltamo-nos para o ato de abandonar e causar a morte como formas aceitáveis de deixar este mundo ou permitir que outros o deixem.

Existem ótimos apostolados católicos que ajudam as pessoas a viver uma abordagem verdadeiramente católica da morte e do morrer. No entanto, na sua maioria, a Igreja precisa de recuperar a consciência explícita de um Ethos católico neste campo, bem como uma compreensão mais profunda da imoralidade do suicídio assistido por médicos e da eutanásia. Na verdade, a única maneira de realmente acabar com estas trágicas práticas será, não apenas por força dos nossos argumentos, mas também pelo nosso testemunho, que poderá mostrar ao mundo um caminho melhor.

DEFINIÇÕES

Este artigo é sobre suicídio voluntário assistido por médico e eutanásia. Irei abordá-los em conjunto porque ambos são intrinsecamente imorais. O oposto seria uma morte natural – por exemplo, por falência de órgãos, doença ou acidente.

Usarei o termo “pró-escolha” para me referir à visão que quer legalizar o suicídio assistido por médicos e a eutanásia, e usarei “pró-vida” para a posição da Igreja Católica e daqueles que se opõem à sua legalização. Vou comentar um aspecto problemático do termo “pró-escolha” abaixo.

O QUE É O SUICÍDIO ASSISTIDO E A EUTANÁSIA?

Segundo a Evangelium Vitae (encíclica do Papa São João Paulo II, “Evangelho da Vida”): “Por eutanásia, em sentido verdadeiro e próprio, deve-se entender uma ação ou uma omissão que, por sua natureza e nas intenções, provoca a morte com o objetivo de eliminar o sofrimento. «A eutanásia situa-se, portanto, ao nível das intenções e ao nível dos métodos empregues» (nº 65, citando a Declaração do Vaticano de 1980 sobre a eutanásia).

O método usado no suicídio assistido por médico e na eutanásia por ação é a overdose letal de uma droga. A droga pode ser administrada por um médico ou, em algumas jurisdições, por outros profissionais de saúde (eutanásia) ou tomada pelo paciente (suicídio assistido). Neste último caso, o paciente deve obter uma receita de um profissional de saúde. Com o suicídio assistido por médico e a eutanásia por omissão, o método utilizado é a inanição e a desidratação. A intenção em ambos os casos é o fim deliberado da vida do paciente.

Dois casos famosos ilustram a diferença entre ação e omissão. No suicídio assistido voluntário ou na eutanásia por ação, tanto o médico quanto o paciente têm a intenção de acabar deliberadamente com a vida do paciente para acabar com o sofrimento; esse foi o caso de Brittany Maynard. O caso de Terri Schiavo foi eutanásia por omissão. Embora ela estivesse incapacitada, não estava a morrer; apenas precisava de ajuda para comer e beber. A sua fonte de nutrição e hidratação foi retirada por ordem judicial e ela morreu de fome e desidratação.

MUDANÇA NO SIGNIFICADO LEGAL DE “MATAR”

A eutanásia é legal em alguns países, sendo os mais conhecidos a Holanda e a Bélgica. Pode surpreender alguns americanos que o Canadá também tenha legalizado a eutanásia. Em países onde a eutanásia é legal, o suicídio assistido por médico também é legal. O suicídio assistido é legal em nove estados dos EUA e em Washington, D.C. A eutanásia é ilegal em todos os EUA, talvez porque a probabilidade de ações judiciais por negligência médica seja muito maior se o médico injectar a dose letal do que se o paciente a tomar.

Tanto os pró-escolha como os pró-vida concordam que o suicídio assistido por médicos e a eutanásia são a morte deliberada. O ponto de não concordância é se isso deveria ou não ser legal. Também discordam sobre a moralidade do suicídio assistido por médicos e da eutanásia. Na verdade, as questões morais em jogo são a base subjacente para o desacordo sobre a questão jurídica.

Em palavras como “homicídio”, “suicídio” e “genocídio”, a terminação comum vem do verbo latino occidere, que significa “matar”. Ultimamente, o lado pró-escolha abandonou os termos suicídio assistido por médicos e eutanásia e refere-se, em vez disso, à assistência médica ou ajuda na morte (MAiD). O objetivo desse eufemismo é distanciar o conceito de matar do suicídio assistido por médico e da eutanásia.

A Lei de Cuidado Compassivo de Lila Mansfield Sapinsley, atualmente pendente, para legalizar o suicídio assistido por médico em Rhode Island, conhecida como MAiD, afirma na sua seção final: “A ação tomada de acordo com este capítulo não deve ser interpretada para qualquer finalidade como suicídio, suicídio assistido, assassinato misericordioso ou homicídio legal”. A cláusula “de acordo com a lei” é importante aqui. Com isso, cria-se uma distinção entre os significados reais e jurídicos de “matar”.

O verdadeiro significado de “matar” é fazer algo propositadamente a um ser que está vivo para fazê-lo morrer. Isso acontece no suicídio assistido por médicos e na eutanásia; na verdade, esse é o seu objetivo. Uma vez que matar inocentes é imoral, há uma série de leis antigas sobre esta matéria. Alguns casos de assassinato foram permitidos, mas isso sempre exigiu uma justificação. Tradicionalmente, os exemplos eram autodefesa, guerra justa e pena de morte, embora esta última tenha sido considerada “inadmissível” de acordo com uma recente mudança no Catecismo, conforme indicado pelo Papa Francisco. Sempre que a autodefesa e a guerra justa são justificadas, as mortes permanecem trágicas, e por isso nos esforçamos para evitá-las, e é melhor que nunca sejam necessárias. E assim, embora trágico, matar pessoas porque são más e perigosas, por vezes justifica-se. Mas não é justificação matar alguém porque está doente e fraco; fazer isso é intrinsecamente imoral e um crime. O lado pró-escolha deve saber que não há justificação possível para o suicídio assistido por médicos e a eutanásia e, por isso, querem remover definitivamente o termo “matar”, para que as mentes das pessoas não procurem uma justificação e percebam o horror do que se está a fazer. 

Como o MAiD legaliza o assassinato injustificado, a Lei de Rhode Island (e eu suspeito que seja a mesma em todos os outros estados) dedica longas passagens para insistir que, para casos de suicídio não assistido por médicos que matam inocentes, leis relacionadas com homicídio, suicídio e o seguro de vida aplica-se. Mas em caso de suicídio assistido, ninguém será processado. Alguns exemplos seriam que os médicos não estarão sujeitos a qualquer responsabilidade civil ou criminal desde que documentem no registo do paciente que todas as linhas de orientação foram seguidas; que as apólices de seguro de vida devem cobrir estes atos, ao contrário dos casos de suicídio não assistido por médico; e que as leis de “dever de assistência”, que exigem que as pessoas prestem assistência a outrem sempre que necessário, ainda se aplicariam em todos os casos, exceto suicídio assistido por médico, mas não em casos de assassinato assistido.

POR DETRÁS DA RAMPA DESLIZANTE

Os projetos de lei para legalizar o suicídio assistido por médicos e a eutanásia têm inúmeras restrições porque essa é a única maneira de aprovar um projeto de lei onde esses procedimentos são ilegais e ainda considerados errados por muitos. A proposta inicial será tão restrita quanto necessário para que a população a aceite. Exemplos de restrições típicas que devem ser atendidas antes de morrer são limites de idade, períodos de espera, segundas opiniões médicas, avaliações psicológicas, prognósticos de expectativa de vida de seis meses e assim por diante. Mas, ao permitir que uma pessoa morra legalmente por suicídio assistido por médico ou eutanásia, o lado pró-escolha alcança uma vitória total, pois ganha uma abertura que pode explorar para expandir essas ofertas tanto quanto quiser.

A razão para isso é que, com a aprovação dessa lei, ocorre uma mudança de 180 graus – ou seja, passando de uma situação em que os médicos nunca usam os seus conhecimentos e capacidades para participar da morte de pacientes, para uma em que os médicos participam da morte de pacientes. Após essa mudança, disputar restrições torna-se um assunto relativamente menor. As restrições apenas colocam uma cerca figurativa em torno da qual decidimos matar pessoas doentes, mascarando a imoralidade intrínseca do suicídio assistido por médicos e da eutanásia, de formas que aparentam serem sensatas. Mas após a legalização, a cerca é fácil de expandir e eventualmente derrubar completamente, pois as restrições começam a parecer injustas para quem não atende uma ou mais delas e uma a uma elas são retiradas. Isso é conhecido como rampa deslizante e acontece sempre.

Por exemplo, na Holanda e na Bélgica, a eutanásia agora é legal em caso de doenças mentais. Em 2020, uma história amplamente divulgada contava o caso de uma idosa canadiana sem condição terminal ou dor grave que, durante as quarentenas que ocorreram devido à pandemia de COVID 19, foi legalmente sacrificada devido à solidão. A análise aprofundada dos dados governamentais oficiais do MAiD revela que das 9.950 pessoas sacrificadas no Canadá em 2021, 17,3% listaram “isolamento e solidão” como motivo da sua decisão. Os critérios para MAiD no Canadá foram reduzidos a “sofrimento físico ou psicológico intolerável causado pela sua condição médica ou estado de declínio e que não pode ser aliviado em condições que o indivíduo considere aceitáveis”. MAiD está disponível no Canadá quase por qualquer motivo. Na Irlanda, há um apelo explícito para que o suicídio assistido por médicos esteja simplesmente disponível para todos – ou seja, para remover todas as restrições.

O lado pró-vida precisa ter cuidado para não basear os seus argumentos exclusivamente no perigo da rampa deslizante, porque nesse caso, o lado pró-escolha enquadrará o debate em termos de colocar em prática “restrições para evitar abusos”. Mas enquadrar a questão dessa forma é uma pista falsa, que, quando derrubada, leva as pessoas pró-vida a cair involuntariamente nas mãos do lado pró-escolha. O truque é a fusão de dois significados de “abuso”: 1) abuso é apenas a morte por meio de suicídio assistido por médico e eutanásia de qualquer pessoa que não se inclua numa ou mais das diretrizes legais e 2) abuso é a morte por meio de suicídio assistido por médico ou eutanásia de qualquer pessoa. Ao entrar no debate exclusivamente com base no perigo da rampa deslizante, aceita-se tacitamente a premissa de que o abuso ocorre apenas quando o suicídio assistido e/ou a eutanásia é feito a pessoas fora das restrições e, dessa forma, a pessoa pró-vida aceita involuntariamente a falsa premissa de que matar pessoas abrangidas pelas restrições não é errado.

Devemos defender a dignidade e a preciosidade de cada pessoa e o erro de abandonar qualquer pessoa. Não devemos permitir que o nosso embate com a rampa deslizante no Canadá nos faça esquecer a primeira pessoa que foi legalmente morta por suicídio assistido por médico no Oregon. Como eu disse num artigo online, “O que é que o amor tem a ver com isso: as contradições éticas de Peter Singer”: “Matar ou abandonar uma única pessoa humana é, em certo sentido, tão horrível quanto matar ou abandonar milhares. Como as pessoas são insubstituivelmente preciosas, matar uma delas representa um crime infinito e, portanto, matar muitas não é um mal “maior” em sentido quantitativo, de tal modo que se considere o ato imoral apenas quando se atinge um certo número de mortes, digamos 100.000.

ÉTICA CATÓLICA

No que diz respeito à ética da morte e do morrer, numa perspetiva católica, há dois erros a evitar: encarniçamento terapêutico e suicídio assistido por médico e eutanásia. Consideremos agora o encarniçamento terapêutico. Como a morte é inevitável, chega um momento em que a doença ou condição física está a acabar com a vida do paciente, e a partir daí é moralmente legítimo recusar ou retirar tratamentos extraordinários ou desproporcionais (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2278). Não se trata de matar o paciente, pois a doença é o motivo pelo qual o paciente morre; e, portanto, a situação é claramente entendida como a humilde aceitação da aproximação da morte. Mas mesmo nesta situação, todos os cuidados ordinários permanecem moralmente obrigatórios (cf. Catecismo, n. 2279). Cuidados comuns são cuidados que, se removidos, causariam a morte de um paciente que não está a morrer ou, no caso de um paciente que está a morrer, apressariam a sua morte por motivos não relacionados com a doença. Exemplos simples seriam interromper deliberadamente os cuidados com o posicionamento para evitar escaras ou recusar-se a administrar uma injeção de insulina para proporcionar conforto. O caso de Terri Schiavo, citado acima, é um exemplo em que a nutrição e hidratação via sonda era um cuidado comum, pois ela não estava a morrer e seu corpo assimilava comida e água normalmente. Existem algumas situações em que a alimentação e hidratação assistidas podem ser suspensas.

Muitas pessoas querem saber se existe uma lista de todas as coisas que contam como cuidados comuns. Abstratamente falando, não existe essa lista porque isso vai depender da situação única de cada paciente. Alguns pensam que esse fato introduz um elemento de relativismo moral no ensino, mas não. Isso porque, em cada caso único, pode-se determinar quais os tratamentos extraordinários e quais os ordinários. Uma vez que isso esteja claro, o paciente, ou quem decide por ele, pode decidir se remove ou não o tratamento extraordinário, mas nunca pode interromper o tratamento ordinário.

Em muitos casos, pode ser necessário um discernimento cuidadoso e difícil e uma discussão com médicos e diretores espirituais para determinar se um tratamento é extraordinário ou ordinário. Desde que a intenção não seja matar, mas sempre cuidar, então a família deve orar, discernir e depois agir, confiando a Deus a decisão final. Existem muitos guias católicos úteis para ajudar no discernimento dessas situações.

A visão católica inclui a aceitação humilde da aproximação da morte, que é completamente diferente das leis de suicídio assistido e eutanásia, que tratam da legalização da morte de pacientes com dose letal de uma droga.

LIBERDADE, AUTONOMIA E CONSENTIMENTO

No seu famoso juramento, Hipócrates dizia: “Nunca darei uma droga mortal a alguém que a peça, nem farei uma sugestão nesse sentido”. A parte da sugestão sempre me intrigou. Um precursor do Evangelium Vitae em 500 a.C., Hipócrates claramente percebeu o horror de sugerir aos vulneráveis que eles poderiam considerar ser mortos. 

Através da legalização do suicídio assistido e da eutanásia, não só os médicos, mas também os sãos da sociedade, ainda que involuntariamente, sugerem aos doentes que devem acabar com as suas vidas. Dentro dessa sugestão tácita há um elemento coercivo que se opõe à verdadeira liberdade. A “permissão” (legal) para o suicídio assistido planta nas mentes vulneráveis a crença de que são um fardo. Logo, o “direito de morrer” começa a parecer um “dever de morrer”. A pressão dos médicos já seria um mal suficiente, o que Hipócrates viu claramente, mas adicionar todos os outros na sociedade torna-se intolerável.

Num artigo comovente contra a eutanásia, o romancista francês Michel Houellebecq escreveu recentemente: “Posso facilmente imaginar-me pedindo para morrer na esperança de que os outros respondam: ‘Oh, não, não. Por favor, fique connosco um pouco mais.’” A sugestão de toda a sociedade de que a legalização do suicídio assistido representa, antecipa esse precioso pensamento e o substitui por um sentimento de abandono e pela implicação de que alguém deveria estar morto. Na medida em que a coerção é o oposto da liberdade, o termo “pró-escolha” é um equívoco, pois o chamado direito de morrer evoca mais facilmente repulsa do que liberdade. Num lugar onde o suicídio médico assistido e a eutanásia são ilegais, por outro lado, as pessoas vulneráveis têm a certeza de que todos estão comprometidos em cuidar delas até que morram de morte natural, o que as liberta para morrer com verdadeira dignidade, a dignidade de um filho de Deus.

O lado pró-escolha também sustenta que, ao criminalizar o suicídio assistido e a eutanásia, se viola o princípio da autonomia pessoal e, portanto, a liberdade. A resposta a esta objeção passa pela perceção de que esses atos, no fundo, são formas de abandono, contrários ao amor que devemos ter por cada pessoa. O consentimento não é como um pó mágico que pode ser polvilhado sobre qualquer ato, tornando-o assim moralmente correto. Alguns atos são inerentemente degradantes e consentir neles não retira essa degradação.

ARS MORIENDI’

Enfrentar o sofrimento e a morte pode ser avassalador; João Paulo II escreveu sobre isso de maneira profunda e sensível em Salvifici Doloris (“Sobre o significado cristão do sofrimento humano”). Com o advento da medicina moderna, aliado à nossa cultura avessa à morte, podemos dizer que o medo de morrer sozinho ligado a máquinas é um medo legítimo. Para resolver isso, precisamos de reavaliar as nossas prioridades enquanto sociedade.

Para dar um exemplo, gastamos tanto tempo, dinheiro e energias a participar nas várias temporadas de desportos profissionais (aqui não estou fazendo uma crítica grosseira aos desportos profissionais), que se pudéssemos apenas redirecionar uma fração desse dinheiro, tempo e energias para reconhecer a humanidade plena dos doentes e cuidar deles, certamente não se sentiriam tão assustados e sozinhos, as relações humanas seriam enriquecidas e todos nós nos tornaríamos um pouco mais humanos.

Uma bela e esquecida tradição católica é a ars moriendi, que significa “a arte de morrer”. Incluía métodos de preparação para uma morte santa e enfatizava tornar a pessoa doente o centro das atenções, cercada por familiares, amigos, profissionais de saúde e pelo padre. Isso é retratado com grande beleza em muitas pinturas medievais. Devemos construir uma sociedade que envolva os vulneráveis com carinho até que morram de morte natural – uma ars moriendi para o século XXI.

O EVANGELHO DA VIDA

Voltando ao ponto de abertura deste ensaio – ou seja, a importância de restaurar o ethos católico da morte e do morrer – terminarei com uma bela passagem do “Evangelho da Vida” do Papa São João Paulo II:

“Para isso, urge, antes de mais, cultivar, em nós e nos outros, um olhar contemplativo. Este nasce da fé no Deus da vida, que criou cada homem fazendo dele um prodígio (cf. Sal 139 138, 14). É o olhar de quem observa a vida em toda a sua profundidade, reconhecendo nela as dimensões de generosidade, beleza, apelo à liberdade e à responsabilidade. É o olhar de quem não pretende apoderar-se da realidade, mas a acolhe como um dom, descobrindo em todas as coisas o reflexo do Criador e em cada pessoa a sua imagem viva (cf. Gn 1, 27; Sal 8, 6). Este olhar não se deixa cair em desânimo à vista daquele que se encontra enfermo, atribulado, marginalizado, ou às portas da morte; mas deixa-se interpelar por todas estas situações procurando nelas um sentido, sendo, precisamente em tais circunstâncias, que se apresenta disponível para ler de novo no rosto de cada pessoa um apelo ao entendimento, ao diálogo, à solidariedade.” (EV, 83)

A MORTE NÃO FAZIA PARTE DO PLANO ORIGINAL DE DEUS

Devido ao pecado original, devemos agora passar por sofrimento, dor, doença e morte. No entanto, a morte e a doença que a precede, não faziam parte do plano original de Deus para os seres humanos. Pois, ao contrário dos anjos, somos compostos de corpo e alma – esta é a nossa essência. De certa forma, não apenas “temos” um corpo ou o habitamos, mas somos o nosso corpo, e isso é profundamente bom (cf. Gn 1, 1-31).

Esta nossa própria natureza de pessoas encarnadas é a razão fundamental pela qual os católicos acreditam na ressurreição dos mortos, o que significa a ressurreição dos nossos corpos que sofrem corrupção após a morte, mas na Ressurreição serão restaurados, glorificados e reunidos com as nossas almas. Então viveremos como para toda a eternidade com a nossa identidade completa. 

Peter J. Colosi, PhD, é professor associado de filosofia na Salve Regina University em Newport, Rhode Island, e autor de “A Catholic Anthropology and Medical Ethics” em Catholic Witness in Health Care (CUA Press).